5.4.10

Se der três toques, eu desligo.

Era do tipo que ligava de madrugada. E ligou mesmo. Ligou pra dizer tchau, mesmo sem ter pra onde fugir às três e meia da manhã. Mas não ia fugir. Nem planejava, não dessa vez.
- É que eu vou morrer.
Bom, pelo menos era original, morrer ela nunca tinha morrido.
- Mas vou mesmo.
E a voz estava tão calma, tão apaziguadora, que só podia ser verdade.
- Sai de perto da janela, sai.
Não, não ia se jogar.
- É perda de tempo. Do jeito que eu sou, vou torcer o joelho, quebrar dois dentes e não passar em nenhuma matéria da faculdade. Só isso.
É que ela ia morrer, tinha certeza.
- Tenho certeza.
E falou que viu um filme muito bom, e que tinha tido soluço duas vezes esse final de semana. Duvidou da queda iminente dos EUA (você é um exagerado, sabe?) e contou com a voz chorosa:
- Eu perdi minhas meias de bolinha. As pretas! Sabe como? Perdi numa festa. É o fim do mundo, quem perde meias numa festa?
Não tinha fim, não precisava ouvir nada, só umas afirmativas de vez em quando. O reloginho de ela tinha quebrado, e não ligava que quatro da manhã fosse quase seis, horário que as pessoas de respeito acordam.
- Você era mais legal quando tinha mais gim e menos respeito.
Mas já era tarde e ainda precisava pintar as unhas. Deu boa noite. Antes de desligar:
- Será que você não queria ser meu amante antes de eu morrer?

Era mesmo desse tipo.

Um comentário:

a Lu! disse...

eu beberia suas palavras com whiskey. Se eu aguentasse mais do que meia dose.