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23.6.10

Asfalto; porão da miséria.

Já meio morto, mas não o bastante, queria saber quem tinha sido o otário que disse. Não viu a vida num flash em preto e branco. Não lembrou dos momentos de glória, nem sentiu de novo todos aqueles gozos. Só ouvia, como num filme, os carros furiosos e suas sombras, via como se tivesse óculos de lentes vermelhas. Vermelhas e pastosas. E ria, sabendo que sangue na tela parece mais real que sangue de gente.
Quem via seu corpo quase humano ali, santo de cera cadavérico, contra o asfalto, ficava marcado na alma com a cena, mas corria o olhar para não atingir um ponto sem concerto do seu dentro. Essas vistas se perdiam entre os olhos cheios de fumaça da cidade, incapazes de enxergar a vida e a morte das coisas que os cercam. Ele confrontava esses olhos cinzentos que quase o viam, com seu olhar muito cristalino, translúcido.
De costas, abraçava o cimento com as palmas das mãos, suas unhas já em carne viva, pareciam querer levá-lo para dentro da terra. Queria enterrar-se ali mesmo, para fugir das cerimônias dos homens. Era sua última chance de escapar daquilo que tanto abominava e sua resistência se acabava na medida que sua respiração ia diminuindo e suas digitais desaparecendo. Mas sua eterna fuga, até a hora de sua morte amém, criava um mundo inteiro de rituais que percorriam seu nome, seu riso, sua fala, sua dor. Até seus cheiros eram marcados por uma civilidade sem fim. O afã de ser um não-ser, de descolar-se dos seus, era o peso que carregava. Mas não conseguia essa unicidade, era excepcional como todas as outras pessoas e só. Mas quem tinha sido o otário que disse? A pergunta correu mais uma vez e deu algumas voltas em sua cabeça. Ele mesmo respondia com mais uma pergunta: disse o quê?
Tentava divisar-se entre o delírio moribundo ou um sonho (e então acordaria assustado e suado em sua cama limpa, com os lençóis mais brancos do varal da pensão - isso era um de seus orgulhos diários). Mas era sua morte, o cheiro ferroso do sangue denunciava, nada podia ser mais real. Foi tomado por um censo de decisão: jogou fora toda sua autopiedade, não queria que ninguém chorasse pelos seus plano de vôo. Não queria que no amanhã fosse lembrado pelas memórias mambembes de tentar não ser um humano. Resolveu assumir-se de carne e osso. Mas quem tinha sido o otário que disse? Disse o quê? Que nesse mundo não se pode amar (Lembrou-se!).
Um beijo, pediu. Mas não havia ninguém. Não que ele visse. Um beijo, disse. Sentiu sua cabeça ser erguida. Estava apoiado em algo macio. Viu algo contra luz do sol. Era o Homem. Sentia o calor de sua perna, jurava que podia sentir. Me dê um beijo, repetiu sem saber se as palavras realmente saíam de sua boca. Sentiu algo macio e quente em seus lábios. O êxtase. No estante seguinte estava sozinho mais uma vez.
Ainda meio vivo, o suficiente, viu que era a hora de esperar a morte certa, preta e branca. Por dentro havia trocado de roupa, frequentado festas, mergulhado dez vezes no mesmo rio e ainda em outros. Seus lábios emanavam sentimentos e sorviam trejeitos do Amor, o Homem amava, transcendia aquele beijo, um salto cego agarrado a teias invisíveis. Como se fosse a única possibilidade.

Inspiração, transpiração e encontros com Fêli.

11.2.10

Amarillo un caramello, caramello de limón.

O Narrativo havia caminhado o dia inteiro. Percorrido distâncias em busca do outro, da narrativa do outro. Tinha esse prazer singelo e austero - que poucos têm - com a troca. Não era uma relação de consumo do discurso do outro, mas de coexistência com ele, de viajar com ele, de alcançar com ele.
Formava-se dentro do Narrativo um universo de bonitezas que se bagunçava sem parar - com estranhamentos repentinos, sustos pulando do peito e ternuras brotando dos lugares mais inimagináveis.
E tanto procurou que um dia topou com a Lua-menina, que rabiscava castelos e possibilidades onde havia nada, ou coisa nenhuma. As estrelas, sem lhe ceder brilhos, nem aluguéis, eram pontos tantos de destino sem fios, e solidão.
Lua não sabia caminhar para esperar o outro, era estanque e de olhos a desvelar passados, desfingir futuros - mas só os que não viriam.
Do encontro, não se sabe a invenção ou a lembrança. Nos olhos de Narrativo havia parecença, aquela cumplicidade simples que se tem, molhada de solidões esparsas.
Eram dois estranhos, que agora alinhavam os ombros, e se tinham de olhos.



com o fêli.

10.6.09

[entrevírgulas, II]

Não pensava em solidão quando aluguei o primeiro sobrado aconchegante que apareceu naquele anúncio de jornal. Não queria mais ser menina, apesar de preservar ainda hoje o robe de seda cor de rosa. Presente de vovó. Não suporto cor de rosa, aliás. E sinceramente, eu não ligo em ter uma cama gigante e dividi-la com um gato. Nessas noites frias me embrulho com dois, três edredons, e ignoro o inverno forçado com uma ou outra dose de absolut, que me faz lembrar o calor dos lábios daquele que já foi chamado de meu, pelos outros.
Hoje, caminhando pela casa e vestida de lua, senti cheiro de música, enquanto Ella fazia explodir todos os meus sentidos naquele jazz só dela. Meu. Aumentei o som, sentei-me em frente ao espelho, e me quis. Escureci os olhos, perfumei-me, enfeitei a boca para combinar com o esmalte, contestando a palidez do meu rosto, e pesquisei a lingerie preta que me traz pose de lolita. O gato buscava carinho em minhas pernas. Tomei-o nos braços, e tive a certeza: eu era o mundo, àquela hora.
Um ou dois suspiros, e uma porta é aberta. Cenas instáveis. Eu lembrava das retinas dele me fotografando milimetricamente. Três horas da manhã. Eu. Ella. Álcool.
- Meus olhos nunca fecham.
Viro todas. De AngélicaBeatrizCarolinaCecíliaRitaGeni, pesam em mim todas as mulheres de Chico de uma só vez. Alterno entre passos trôpegos. Penso em línguas em céus de bocas. Espelho, de novo. Um rosto que não é o meu me observa, com olhos que me botam medo. Me escondia na penumbra de um abajur indiscreto: num canto vazio, te gastava em silêncio.
jaya, do lirícas, escorrendo aos litros.

7.4.09

[entrevírgulas, I]

erguia as reminiscências mais próximas enquanto, estática, cobiçava uma pequena fenda na testa iluminada. decerto já não poderia reconstruir o tal mundo de coisas nesse estado.
me escondia na penumbra do abajur indiscreto: num canto vazio, te gastava em silêncio.

tecia numa rede de perguntas que já não sabia querer, onde era que teu olho mirava, fechado. um sonho, um desejo, ou a sombra improjetada que suava ofegante.

vergava da mão esquerda o tremendo estreito em que se metera; tantas cópias de si nas conversas e não via mesmo seus cabelos em devidos devaneios e a inveja dos caracóis, senhores totais das suas plantas mais vistosas.

engolia possibilidades, regurgitava cada teoria. numa febre terçã, a mente vagava entre aliterações e hiatos, que engolfavam os lapsos de sanidade, contra a quina esquina da parede do quarto, limite seu etéreo reino.

o que lhe descia uma tanto melhor, era a cor que brotava em vez naquele jeito esperto de soletrar casualidades.


com ygor, do disperder.

13.2.09

Bordado de Garôa e Sol

Escolho as cores, recorto os tons. A luz que invade é poesia, as letras são de bailar. seguro a mão da menina-mulher que vive através, do meu espelho.

O sorriso dela, reflexo do meu. Eu (em) ela - pelas mãos, que se encaixam. Uma apoteose de acordes em par, fazem palavras surgirem de dentro - em nós - que se embolam. Dançamos as letras-notas. A menina do anel-de-lua faz céu onde meu eu-estrela navega. Azul, que me afaga. Nela, os olhos de cais. Desembarco.

No fim do arco-íris tem o mar. Um mar de nós, de dedos que nunca se embolam. As ondas fazem hiato, de tempo; as ondas são a constância do desejo. Os olhos tem fome, e o tamanho do mar é tanto que já nem sei comê-lo. Devoro aos poucos as palavras que escorrem pela boca, melam os dedos, fazem soluço-de-riso.

[Suspendo a respiração, e de olhos fechados espero o próximo ato.]

Em ondas que lambem o inteiro, um lambuzar de cores. Um som de violão bêbado nascendo em meio aos ruídos monótonos. O riso-sorriso dela, ecoando em minhas pálpebras-borboletas. Visto coroa de guirlanda, princesa que brincava de ser, no faz-de-conta sinestésico. Felicidade, era a lei. E se um dia foi diferente, a noite, espiralada, não deixava ser. Virava tela, em cima da pedra mais alta.

Colho no ar umas bergamotas-de-poesia, eita coisa bôa que é lambuzar-se da palavra alheia! sorvo seus existires, para que haja docêde, em mim (é que vós tens nome dôce!). Misturo o eu no tu, pra ver se desvira numa prosa bôa de ler, comer. Num desenho mágico, de bailar os olhos.

Começo a tecer um arremate pra nossa meada, e é com vontade de fazer um cachecol de dar volta no mundo todinho, que amarro o fio, picoto a linha, vejo nossa obra com olhos de sete-anos, sete-mares, três-marias: duas-metades.


- palavras de duas.