26.9.12

Quando foi, já não quis

De sonhos intranquilos, um susto me acordou. Lentamente, tomei consciência de mim. De você. De teu corpo apertado contra o meu. Dos cheiros da nossa saliva e da nossa transa. Esses cheiros velhos conhecidos, sua  pele que meus dedos sabem de cor, meus cabelos enrolados nos seus. Te descubro entre meus braços, respirando calmo teu sono sobre meus meus poros.
Te olho, e você não me comove mais. Não tenho mais ganas de desbravar seus sorrisos nem lamber suas lágrimas. Não quero mais entender seus mistérios (os mistérios que já conheço, acho enfadonhos, aburridos, sem graça). Não sinto mais meus futuros encarcerados nos seus caminhos, seus dedos não podem mais desabrochar meus segredos. Enquanto você dorme, não me lembro da cor de seus olhos. 
Engulo seco, minha racionalidade me convence aos poucos. Ainda assim, meus olhos marejam, eu busco no seu suor delicado qualquer essência de amor. Viro seus braços num abraço em mim e, encarcerada na sua pele, murmuro e peço para sentir eternidades.  
Rumino o que será dos meus desejos, que tanto quis eternos. Dos meus sonhos de futuro, abrigo tranquilo na contramão dos dias de terror e amor. Penso no que simbolizava esse querer bem: as esperas adolescentes. O  pé no passado, estanque, eterno, imutável. A raiz latente de flores monogâmicas e frutos-filhos. O desejo pueril de um conto de fadas moderno, um final feliz démodé, com dedos enrolados e rendas de cumplicidade, tecidas com calma pelos passar do tempo. Penso na distância em que essas possibilidades se perderam, descabidas, sem sentido, retrógradas. 

Te acordo, para dividir mais um orgasmo.
Fumamos em silêncio, cansados e sorridentes. Sei dos encontros que ainda vão acontecer, porque nossa pele é feito um ímã. Entre um beijo e outro, tento entender o que somos nós dois, e por que somos assim, mas a adrenalina e a nicotina embaralham as minhas ideias.

Como brilho eterno de desmemórias esfumaçadas, te enxergo enquanto adormeço. Você parece um sonho encostado, empoeirado, entre cílios e memoráveis acordes.

Um comentário:

Pablo Martins disse...

C'est magnifique, Lua!!!