26.11.12

Ostre-se.

Nasceu dobrada, deslizando sob o azul. Por fora, concha. Por dentro, molusco, mole, víscera. Nasceu sem saber que tinha nascido. Cresceu sem saber que existia. Sabia o sal, o mar, a maré, o clima. Sabia quente e frio, mas não sabia  calor. Não sonhava, porque não tinha futuro, não tinha medo, não tinha desejo. 
Escolheu de cama uma pedra, e lhe bastava a dureza contra a pele áspera. E num bocejar distraído, como quem se espreguiça sem largar do travesseiro, engoliu um grão. Um pesadelo grão, um grão pesado. Um estrangeiro invadindo seu âmago, seus mistérios, seu não sentir. Não sabia gritar, não tinha abrigo que lhe protegesse do estranho. Seu meio exposto, do lado de dentro. Como não sobrasse mais nada, chorou. 
Tanta lágrima, e a dor era constante, irritante, aguda. Lágrima branca, a escorrer pelo tempo. Os sentires amargos se espalhando como raízes conscientes na sua existência tão sensorial. Já esquecida de sentir o azulmar, por sentir tanto o pesogrão, um dia não existia mais mar. E a dor da secura quando já tão acostumada à água, o incômodo. 
Dentro, peso. Fora, árido.

Desdobrada. Por dentro, um segredo. Por fora, um emaranhado de dedos e visgo. Visceralmente exposta, pulsando numa morte seca, sem sangue. Um grão parece leve quando não há água-e-sal. Um riso humano se espalha no ar, se esparrama, se ri: é uma pérola. 
Desostrada, a massa cinzenta em meio a tantas outras iguais, não gosta da risada feliz. 

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