27.10.08

em película.

A música, parecia música ambiente.
Um restaurante. Exótico. São muitas as cores, os detalhes são neutros. As cores, na verdade, se escondem atrás de um suspiro branco-e-prêto. O homem bebe, vinho. Olhos perdidos, na porta que não abre nunca. Não vemos seu rosto, seu cabelo apenas.
Rio. Brinco de ser o que não é. Releio. Eu, quero sair dessa cidade. Quero morar onde tem areia, mar. Parece bossa nova, é isso.
Abre a porta. Ela, sequer levanta os olhos. Reluta com o guarda chuva. Espana os respigos do casaco, com a mão do cigarro. Se pontilha de cinzas do tabaco. Bufa. Na sua bôca, tudo é dôce. Com graça, joga os cabelos para trás. Ao vê-lo, baixa os olhos. Esperava entrar deslumbrante, não uma menina perdida.
Na frente do espelho, de um jeito que nunca me pintei, me cubro de mulher. Os olhos, a boca, os cílios. Visto meu côrpo, inteiro, de meu côrpo. Amarro sobre os cachos que pintei o lenço prêto. As pontas tocam meus ombros. Esboço sorrisos. Ensaio olhares. Duas vezes, eu e Helena. Acendo o cigarro e, nua, vou pra janela.
Amassa o cigarro, uma fúria de fim-de-noite. Tira o casaco, sorri vagamente, para além do homem. A frase é amarela, 'Chuva me pegou'. Ele diz qualquer coisa sobre a beleza dela. Ela, suspira. (ele finge crer que ela sequer ouviu). Tira as luvas. Lança o mais lânguido dos olhares. Ele, no mesmo instante, sabe que seu esmalte carmin muito mais lhe importa do que a presença galanteadora do outro lado da mesa. Ele, é nada, perto dela. Cruzam os olhares. Ele, é nada, perto dela.
Poses. Angulo o pescoço. Meço os dedos, olhares longos, para o nada. Da minha beleza, só eu sei. Não ligo para as janelas, desfilo os seios nus, no parapeito. Aquelas, eu ignoro. Busco o telefone.
Bebe o vinho, e é linda. Tudo que faz é belo. Os movimentos que se desenham no ar, ao redor dos pulsos. As pausas. O modo como mexe o pescoço. Seus lábios grossos, os cabelos cheios e claros, a seda prêta que faz arco, no seu rosto. Brigitte é a sensualidade encarnada em cachos e melancolia.
Me arrasto. Arranco os brincos, o lenço, tenho vergonha de mim. Esfrego o rosto, a tinta escorre prêta dos olhos, me enfeia. É uma genuína feiúra. O oposto dEla. Eu sou a antiEla. Os olhos inchados, o nariz vermelho. Quando ela chora, tenho ganas de beijar-lhe a bôca. Quando eu choro, é de pena. Dó. O sinal de ocupado é tudo que ouço.
A rua tem névoa, e água. Debaixo do guarda-chuva, um passo incerto, a fumaça que exala. Vejo a tela, de dentro dos olhos dele. Brigitte anda, o impacto do passo movimenta o cabelo com graça. O impacto dela me mareja.
A música acabou.

6 comentários:

flor disse...

A música é linda!!!

Anônimo disse...

=) fiz propaganda de lualuá no meu twitter.

Cleyton Cabral disse...

Gosto da tua música.

Jaya Magalhães disse...

Eu já li umas muitas vezes.

Mas a mente, incapacitada que anda, não consegue fazer as palavras sairem de acordo com meus sentimentos em cima de cada letra.

Então, eu venho falar de saudades. E contar que venho depois, pra derramar minhas impressões por aqui.

~ Gosdimais docê, meu doce.

Uns beijos.

Jaya Magalhães disse...

Lua,

Isso, pra mim, foi assistir a um filme. Uma coisa meio Woody Allen e Almodóvar, misturadas. [Acho que porque andei vendo umas projeções desses dois semana passada]. Hoje, lendo teu texto novamente... Perdão, eu disse lendo? Vivendo. Vivendo é a palavra. Hoje, vivendo teu texto novamente, eu dancei. Chorei sorrisos. Me borrei toda, sem nem ligar pra nada. Comi as palavras. “O impacto delas me marejou”.

O texto chegou ao fim. Mas o que você não sabe, é que a música ficou infinita, do lado de cá.

Agora, eu tenho que destacar umas coisinhas. De mim-você, que falam de mim-eu mesma. Seleções afins, minha cara. Pra contar onde tem eu, nesse texto orgástico.

[Eu, quero sair dessa cidade. Quero morar onde tem areia, mar. Parece bossa nova, é isso.].

Porque isso, Lua, é anseio da minha alma, penso. É aquilo de “necessidade, vontade! Necessidade, desejo!”, igual os paulistas dinossauros berram. Vira mantra, até. O que eu mais fico querendo nessas horas, com Toquinho e Vinicius no meu som, é “um velho calção de banho, um dia pra vadiar, um mar que não tem tamanho...”.

[Com graça, joga os cabelos para trás. Ao vê-lo, baixa os olhos. Esperava entrar deslumbrante, não uma menina perdida.].

Isso, pelas inúmeras vezes que os olhos se desviaram. Porque em meio ao deslumbre, em meio ao vestir-se de mulher, a menina não deixa nunca de dançar dentro da gente. Meninas perdidas que sempre seremos, em horas tais. E esse baixar de olhos, me leva a fazer conexão com o meu texto atual, do blog. O tal do medo de cair pra dentro do outro e não saber mais voltar. Não sei...

[Visto meu côrpo, inteiro, de meu côrpo.].

Porque essa frase é a tua cara! Dos teus lados que eu conheço, já. Da maneira como te sinto. Da tua naturalidade. Teu jeito despido de disfarces. Teu jeito você. Tu. E pronto.

Dessa vez, levo daqui os ventos de Copacabana. Um barzinho. Um violão. Meia luz. Filosofias cuspidas. Apartamento decorado de solidão. Luzes desconexas piscando na cidade. Cheiro de terra molhada. Nudez de sentidos. Filme antigo. Presença ávida do sentir.

Meus aplausos pra você, que me veste em palavras milimetricamente bem escolhidas. E eu só sei abusar, nessa hora.

Te beijo com meu melhor afago.

Priscila Milanez disse...

Gosto das imagens e do movimento que você imprimiu ao texto. Posso ver o balanço do cabelo da moça! Gosto disso!