1.11.09

Se chover, não beba gim tônica

São 7 horas de sexta-feira e você está no bar, cercado de amigos, pedindo a primeira dose de gim tônica. O clima está legal. O da mesa de bar, porque lá fora está chovendo uma daquelas chuvas que derrubam barracos, geram discursos vazios dos governantes e manchetes sensacionalistas. Você está cansado depois de uma semana de trabalho. Tudo que você quer é ficar ali, jogando conversa fora e gim tônica pra dentro.

São 9 horas, a chuva é a mesma, mas os assuntos variam. Começa-se na política, passa para o futebol e, como sempre acontece naquela mesa de bar, chega-se ao sexo. Especificamente, fala-se sobre a melhor trilha sonora para uma boa transa. Você chega a opinar, dizer uma bobagem qualquer. Mas prefere calar. É o tipo do assunto que é melhor ouvir do que falar. Afinal, você vai perder qualquer chance de traçar aquela ruiva com sardas que está sentada do outro lado da mesa quando ela souber que você gosta de transar ouvindo A Voz do Brasil. E o pior, ouvir da sua própria boca, a mesma boca que pretende percorrer e contabilizar todas as sardas daquele corpinho cor de morango com chantili. Mas você é prudente. Prefere reservar sua boca para a gim tônica.

Já é meia noite. A chuva está ainda pior, mas você nem percebe mais. A mesa se reduz a 5 pessoas, entre elas a ruiva. Depois do sexo, todos fumam e o papo chega até o significado da vida. Agora, você não tem medo de dar opinião. Até porque pelo nível de idiotices, qualquer coisa que você disser vai parecer um poema do Fernando Pessoa. E já que o nome dele veio à cabeça, você decide citá-lo. “O Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo. O que há é pouca gente para dar por isso”. Mesmo sem entender o que sua frase tem a ver com o assunto, todos dirigem seus olhares cheios de admiração para você. Que até pensa em citar a fonte, mas conclui que é melhor ficar com os créditos. Pelo estado de embriaguez geral, ninguém vai se lembrar da frase no dia seguinte. Você vira um copo cheio de gim tônica e muda de cadeira, sentando ao lado da ruiva.

São 3 e meia. A chuva torrencial se transforma em chuva de granizo. A única mesa ocupada no bar é a sua. Que agora tem só 3 pessoas. Entre elas, a ruiva. Você fala coisas ao pé do ouvido dela. Ela ri. Você só não é o mais bêbado da reduzida mesa, porque a ruiva mal consegue parar sentada. Você tenta chamar o garçom e pedir mais um copo de gim tônica, mas percebe que os sons que saem da sua boca não conseguem se transformar em palavras. E mesmo que conseguissem, de nada adiantaria, porque a chuva caindo no telhado inviabilizaria uma conversa até entre vendedores de feira. Você se questiona se a ruiva está entendendo alguma coisa que você diz e conclui que não, que ela só ri dos grunhidos que você emite porque ela quer sentir sua língua percorrendo aquele corpo cor de morango com chantili. Quem sabe, até lambrecado de morango com chantili. Você ouve um som ao fundo. Talvez alguém esteja tentando falar com você. Mas você não consegue entender nada. E como você também não consegue ser entendido, resolve se expressar através das mãos. Mais precisamente, enfiando sua mão direita no peito esquerdo da ruiva. Qual não é sua surpresa quando você leva um tapa à la Splish Splash. Não, não foi a ruiva, que inclusive parece estar gostando bem da situação. Então, você percebe que a outra pessoa que tinha restado na mesa era justamente sua namorada, que tentava te lembrar aos gritos que ela estava ali, assistindo toda aquela vergonhosa cena. No dia seguinte, já com o calor da situação resfriado, você a convence de que não foi bem assim, que ela também estava muito bêbada e que acabou vendo mais do que realmente aconteceu. É uma batalha dura, mas você vence pela insistência. Ela te perdoa, mas impõe uma única condição: gim tônica, nunca mais.

Manuel Rolim



e isso eu li aqui, viu? tudo que eu queria dizer, achei já escrito. e me mantenho no meu direito de me manter calada.

3 comentários:

Marcelo Mayer disse...

e direito de responder: PUTA texto de cotidiano

alice disse...

muito bom! há tempos que eu nao passava por aqui. continuo a gostar.

Emily disse...

adorei!

;)