27.3.14

comemorações.

parabéns para nós, que conseguimos. parabéns para nós, que nos amamos. que ultrapassamos a barreira de pele, de verbo, de tamanho. que somos coladas.
ainda me lembro dos três dias de medo, chulé e ronron, que você passou no meu colo. ainda me lembro de te amar sem nunca ter visto teu focinho. obrigada por peregrinar de casas comigo, sem nunca deixar de me amar. e por amar as pessoas que nos rodeiam, mais do que eu mesma posso.
adoro quando você dorme nas minhas costas, ou mia bom dia quando saímos da cama. adoro você comer o que te dá na veneta. adoro o fato de você ser enorme e bem tiqueninha. adoro, até mesmo, quando você pula a janela e vai ser gata, e livre e tudo aquilo que eu não sou. eu acho o máximo dos máximos você sempre voltar pela porta da frente.
desculpa não te castrar no tempo certo, e obrigada por ser enorme, corajosa e forte, e seguir sua vida pretinha sem o filhote. desculpa quando eu viajo, quando não troco a sua areia e quando te chuto no escuro.
queria poder fazer um presente enorme de brilhante que te dissesse o meu amor inteiro. mas essas coisas de comemorar é de humano, que esquece de amar toda hora.

por esses dois anos, e pelos séculos além.

e mais amoris: aqui, aqui e aqui.

18.3.14

ano novo.

essa angústia. não sei como dissolvê-la pelos anos a se passar. somos todos miseráveis, azuis e hipócritas.
essas lágrimas incontidas, a eterna dúvida sobre desejos, certezas, espelhos. lamento-culpabilizo essa leveza de âncora que meu espírito tem, quando eu só queria ser passarinho.
continuo sendo a chave e a solução do mundo, acredito nos astros e nos filósofos, nas plantas e nos abraços. duvido muito do amor, e isso é novo, errado e incômodo.
meu peito é de giz de cera, gesso e biscoito. meu peito é de sal de fruta, de fogos de artifício, de efeito moral. meu eu é qualquer coisa que eu queria poder transformar em versos, mas eu não posso. eu queria ser filme, poesia, história e sonho, mas a vida é real e todo dia, e isso não será simples sempre.

sobreponho as ideias tentando encontrar quem eu sou. não consigo aceitar que não posso. eu nunca fui boa em reconhecer os limites.
morro de saudades. vou me equilibrando, só o bastante pra não cair. esperando que os dias se consumam mais depressa.

21.2.14

amora.

para ler ouvindo

essa coisa doida que é o amor.
de repente, a gente se perde de si e vira o outro. se desvira em amor puro, que é salgado e corredeiro. o seu dentro, o seu medo e a sua dor são só a ponta do nó. e de repente, o universo é um ronron, a felicidade é um olhar, e eu já não sei ser sem você.
estranho e novo experimentar esses amores constantes, perenes e peludos. esse amor silencioso, cheio de gestos e nenhum verbo. é entender seu medo da água e o fascínio pelo que tem detrás do muro. é não parar de pensar se o seu motorzinho é afeto ou hábito, morrer de medo que você não saiba quem eu sou, que a aventura seja mais legal que o ninho - e ainda assim abrir toda noite a porta pra você sair.
é ter certeza de que somos pedaços de um mesmo sweet jardim, só de você me encarar com seus olhinhos de oceanos, se aconchegar e dormir.

eternamente filhas, irmãs e amóris.

7.2.14

Geografias #1

Era uma rua quase conhecida, mas mais pela insistência que pelo antes. Por isso mesmo, tanto fazia o lado, e eu ia de uma quadra para outra, ajeitando os óculos para parecer vagamente preocupada, vagamente distraída, e pedindo em silêncio para que ninguém enxergasse que, na verdade, eu estava perdida. 
Virei de costas para acender um cigarro no outro. Não acho que fosse da conta de ninguém, mas podia parecer desespero, tantos cigarros, a garrafa quase vazia. Tomei um café, em pé no balcão, sem tirar os óculos. Voltei duas quadras, para perto dos portões verdes e das rosas colombianas. Cena de cinema.
Parei em frente ao portão que um cachorro me olhava, muito sério, com uma cara de gato. Pensei se valia esfregar o focinho dele (não valia). Pensei em sentar no meio fio, que é um dos lugares mais confortáveis do universo (não sentei). Usei três cores pra pintar um retrato seu, com a cara no meio das árvores. Ficou ruim, mas não joguei fora.
Acendi mais um cigarro, mais pelo tédio que pela vontade de fumar. O calor que se desprendia dos meus braços subia em espirais fumaças de incenso e se misturavam com a claridade agoniante das manhãs de domingo. Fingia ouvir passarinhos e rios, mas os carros entupiam meus ouvidos com seus gemidos programados.
Sem querer ser previsível, fiz o que já sabia: tracei o percurso afetivo do próximo amor mapeado, lembrei das coisas que não precisavam ser carregadas e descobri minha próxima fuga inevitável.

30.1.14

Declaração de amor partido

para ler ouvindo

Eu não sei se é o calor ou se são os dedos. Não sei se são os cílios ou o laranja. Eu não sei de onde vem, e jamais posso imaginar onde vai dar. Eu não durmo, eu suo, eu enrubesço só de pensar.
Me deixo viver aquelas borboletas no estômago que só existem quando se é adolescente demais para não sonhar um beijo, de tantas formas de um jeito docinho e cinematográfico. Imagino o cheiro do hálito, imagino os nós dos dedos se esfregando nervosos nos meus. A pontas dos dedos coladas, que me fazem ofegar. 
Esses sentires desgovernados, anárquicos, libertários e libertinos. Sem entender nada, eu vivo esse mar de possibilidades, sem saber qual delas me atrai mais. E mesmo em rebuliço por dentro, nada pode perder seu rumo, porque é de afeto e sem dúvidas.

- onde será que ficam as mãos quando você beija?

26.1.14

Tangentes cotidianas.

para morrer ouvindo

Tudo certo. Tudo muito certo. Tudo mais certo do que eu poderia prever. E então?
Não entendo a angústia, o marasmo, a inércia. De onde vem o medo, quando nada te amedronta? Queria virar um ovo, me prender dentro de mim, e me olhar até que eu me enxergasse de verdade. 
Respiro, medito, faço um bolo, toco uma musiquinha que me faz sentir adolescente. Os sentires são enormes, as sacações cotidianas tem tudo para me impulsionar para o mundo.
Mas permaneço aqui
e s t á t i c a
à espera de um estopim que jamais virá, porque meu. Porque catártico e ninguém pode romper a minha inércia.
A verdade é que a felicidade me assusta e eu quero jogar o corpo no mundo e sofrer de verdade pra não sofrer esses sofreres escusos. É que morro de medo de ser feliz. E por isso escolho as paixões mais ao revés, invisto nos erros, padeço o corpo por mera insistência. Sorvo passados, por pura preguiça do novo.
Sonho uns pés, os seus nos meus. Sonho uns pés, calçados com um sapato de sola grossa que nunca tive, mastigando poeira e rio e incerteza e mapas. Sonho uns pés, enrolados em gatinhos e lãs.
Fico aqui, maldizendo o presente. Com saudade do passado, cheia de ânsia pelo futuro, fingindo não saber que é tudo
tudo
retudo
póstudo
tudo
tudinho
a mesma coisa, a mesma repetição, o mesmo amor.

Que venha toda manhã, de luz e claridade.

26.9.13

Campestre #01

 para ler ouvindo

Parecia que seria nunca, mas a luz pintou o céu negro estrelado. Vinha lento, preguiçoso, inegável. Impossíveis azuis escondendo as estrelas, anunciando a iminência do sol. Ondas de calor sutil prometiam o fim da noite, passarinhos acordavam o verde das folhas, os voos tingiam sem pressa o amanhecer. Um despertar harmônico, coletivo. Respiros em bocejos, gracejos.
Os olhos sorriam o acordar do dia. Corpos colados sob cores quentes, cabelos emaranhados de grama, flores, penas. Lábios em versos e beijos sedentos. A pele brilhava em pequenas explosões solares, mornas, os pés ansiavam os orvalhos macios, o mato lambia, ainda gelado, as pisadas matinais.
Os caminhos se encontravam, aquáticos, nas pedras murmurando sob a correnteza. Um riozinho. Um mundo de água e sussurro, despido e constante. Manchado das sombras, brilhava como ourinhos onde o sol tingia. A magia que só as mães-d'água têm nos atraía devagar, cada vez mais intensa.
Os dedos decididos submersos, os poros se rindo do frio despretensioso da água fresca. A ânsia terrestre de voltar ao mundo líquido era esticada, prolongada ao prazer sensorial da lentidão, da descoberta. As coxas arrepiadas, o sexo beijado, o estômago suspenso numa paixão de solfejos, os mamilos duros, a voz projetada e surpresa, a boca doce, os cabelos bailando em ondas.
Corpos cabem perfeitamente submersos e gelados. As ideias penteadas por peixinhos, os sentires tão simples, escorregadios, fluidos. Escorregam carinhos de encontro e amor total. A grande água orienta as pequenas águas de nós, em margens sensatas, afetivas, a intensidade de ser, e saber ser em outro.
Vive-se para voltar às águas.