28.1.09

[do amor, III]

entrei no quarto. depois de tantos anos, eu já nem me importava com aquele cheiro de mijo, e de morte. tudo como eu havia deixado. sentei no banquinho.
o velho tremia embaixo do cobertor ralo, imundo. a testa suada. parecia dormir um sono turbulento, e eu não o acordei.
meu vestido, de uma chita vadia, mal encobria os joelhos. desgastado, as cores se misturavam. o vermelho desbotado era quase laranja, e o laranja envelhecido quase da cor da pele morena, quase cinza da poeira do caminho.
o velho botou a mão no meu joelho, estragando com aquele pele suja, gasta, usada, a curva da minha pele, ainda fresca.
- rosa. você voltou.
a essa altura, eu já nem respondia. todos os dias eu ia. ficava horas a fio, com o velho. e levava um livro. ele já não os leria. o velho era um morto que não desistia, uma vida podre que insistia. e então. eu só queria aquelas páginas amareladas. fora isso, nada mais me movia. nem pena, nem carinho. só o desejo de comer aquelas palavras sensuais.
- você não devia ter entrado no barco, rosa. eu te amei mais.
bocejei.
e então, ele abriu os olhos leitosos, cegos. buscou meu rosto.
- diz, rosa. fala.
- eu nunca te amei, velho.
um acesso de tosse balançou aquele fio de vida. os ossos pareciam estalar, o velho sofria.
esquadrinhei o quarto. o banco era meu. a cama eu que trouxe. agora, eu dormia no chão. por umas páginas escritas, eu sofria.
- ô, rosa. casa comigo.
juntava num saco tantos livros quanto podia.
- não me mata, rosa!
senti raiva. minhas tardes perdidas, e agora o velho assim. trocou tudo que (não) tinha por um punhado de livros que a cegueira nem deixava ele comer, mais.
arranquei da cama o cobertor, pensei em jogá-lo no chão. mas eu não dormiria mais ali, em cima daquele suor vagabundo.
- eu vou morrer. me conta um conto?

bati a porta, sem nem olhar pra trás.
o cheiro da morte eu levava no vestido, quis queimar o vestido.
levei o peso do roubo, o peso de me chamar adelaide.

3 comentários:

flor disse...

rosa, você voltou.
...
nunca te amei, velho.

Isso tudo dói =)

Anônimo disse...

doeu roxo ler..

certa vez me disseram: "bom é quando dói". acredito..

Teresa disse...

Ai, meu Deussssss! hehehe

=)