29.3.10

"De longe é mais fácil perceber, porque brilha"

Essa frase sempre me martelou um pouco. Ela veio junto com os óculos, talvez por isso eu me lembre tanto. Que tudo quanto brilhava, era dolorido de perto, e cego de longe.
Faz bem pouco tempo que a minha adolescência partiu e, ainda que não brilhasse, agora - de longe - é que eu consigo ver tudo, muitamente. Não vou dizer que foi uma perda de tempo, afinal se eu não tivesse sido tão freak nessa época formativa da vida, talvez eu fosse bem desagradável hoje. Mas também não achei tudo isso não. Acho que toda adolescência ocidental nos padrões da classe média é uma coisa turbulenta, difícil e chata, cuja a qual todos poderíamos passar sem (mas isso é pano pra outra manga). A questão é que ela está aí, cutucando todos nós, os que vivem nela, e os resquícios. Mas salvo uma ou duas experiências traumáticas ou geniais, imagino que somos todos meio parecidos, naquela ânsia de provar que só nós somos especiais e específicos daquele jeito, sem saber que somos uma grande massa. Só eu sinto isso, só eu posso sentir isso.
A bem da verdade, é que eu pensei que a adolescência não terminaria nunca. E agora que ela se foi... penso que a minha infância foi bem melhor. E imagino, pelo sorriso com o qual as pessoas costumam falar sobre as lembranças mais antigas, que essa seja uma máxima comum. Estou cada vez mais certa de que estudar a infância deve ser muito mais suculento, tentador e aprazível que qualquer outra fase da vida.
Ainda que consigamos perder um monte de maus valores que vamos adquirindo, ainda somos sujos demais. É que as crianças conseguem fazer tudo tão cheias de delicadeza e arrojo. Qualquer chico consegue viajar, e hoje se não for um plano-terreno onírico, os pés demoram uma vida inteira pra sair do chão.
De qualquer forma, eu comecei a escrever isso, porque estava pensando o quanto, cinegraficamente falando, as dores infantis são pungentes e belas. Tem qualquer coisa de brutal, naquela inocência doentia (sim, é doentio quando nós, velhos-e-cansados, não sabemos ver a imensa tragédia que é um iglu destruído). A dor da criança, talvez, seja a dor mais bonita - já que descambei pro lado lírico das coisas, geralmente as maiores bonitezas, pros meus olhos, estão embebidas em dor.
O que não deixa de lado o fato das dores adolescentes serem as mais cruéis e cruentas, que sabem deixar as cicatrizes mais fundas. E por isso, por serem tão cheias de sentimentos que os grandes conhecem (mesmo que agora eles possam controlar), mexem com os incômodos de não pertencimento que assombraram muitos de nós (pelo menos os esquisitos, e eu descobri que gosto mais dos esquisitos, dos nerds, dos losers).
Tudo isso pra dizer que vocês deveriam ver A lula e a baleia, Chuva de verão e Onde vivem os monstros. Que como já era de se esperar, são filmes suaves coisa nenhuma.



E um beijo na Jaya e um beijo no Fêli que apareceram na minha memória de textos-da-madrugada.

19.3.10

para michél mabél.

michél mabél, o mundo é uma grande confusão. sim, mabél, nada vai ser fácil, nunca. e quando for, você vai achar sem graça. desculpa, mabél, mas é que gente feito a gente mesmo, gosta do suor, do sangue e do gozo. porque preferimos os contos aos fatos, e se não tem suspense, drama e riso - aos baldes! - nem gastamos o verbo pra contar.
é isso, michél. e vai ser sempre assim, e depois vai acabar.

(e sabe, michél mabél, depois de tudo, depois do fim, te encontro num campo de morangos. no céu. com diamantes. prassempremente.)




- para o michél e para a mabél.

16.3.10

Era uma vez.

Já teve vontade de chorar às 4 da manhã? São 4 e tenho a impressão que se abrir a torneira, eu vou escorrer no chão, e virar um mini-mar de lua. E nem vai ter estrela, nem nada.
Minhas histórias não começam com Era uma vez. Não que eu me lembre. No jardim de infância começaram os problemas dessa ordem: eu não podia brincar com as princesas. Cinderela, Bela Adormecida, Branca de Neve e cia. lmda., todas elas tinham príncipes. Eu queria ser a Alice, olha só que coisa. O resto, foi só consequência.
Se nem de pequena eu soube sonhar princesas, quem dirá de velha. A vida não foi um conto de fadas, e eu nem sei mesmo se eu queria que fosse. Tive que matar barata, trocar chuveiro e saí de casa com a meia-calça rasgada. Minha saia já enrolou na calcinha, meu príncipe encantado já precisou ser resgatado (e no fim, nem tinha taaanto encanto assim) e eu começo a suspeitar que o dragão sou eu. Minha mãe não tinha vocação pra megera e minha fada madrinha foi comprar cigarros. Não fiquei bonita de uma hora pra outra, e minhas prendas domésticas são facilmente trocadas por uma cerveja gelada.
Não reclamo de nada disso, nada mesmo. Mas de repente, dá vontade de viver uma historinha que começa assim. Contando de um tempo muito longe e que, mesmo sendo sofrida, vai terminar lindamente. Com parassemprementes. Os tempos são cascudos, os heróis não tem tempo pra cavalos, no máximo pegam um táxi (branco) e mandam um sms pra avisar da demora. Os vestidos encurtaram, ninguém tem aqueles pés minúsculos e ao invés de esperar o amor eterno, a gente saiu procurando por aí - e nem sempre o amor... Mágica, mágica mesmo, é só plástica e ganhar na loteria. E dizem que tem por aí um pó de pirlim-pimpim que faz maravilhas.
Sapo, esses sim. A gente beija, engole, atura. De resto, é tudo assim, bem real.


Mas se alguém quiser brincar de conto comigo, eu nem ligo de não ter coroa.

12.3.10

de-liquidificador

Não sei se houve tempo o bastante para sentir saudade, é provável que não. Eu não contaria mais que um dia, isso tem tempo-nenhum.
Mas estou certa que houve espaço mais-que-suficiente para se fazer uma saudade. Você tem cheiro de Porto Alegre, tem cor de parque de diversão e amanhecer, tem gosto de Polar, tequila e calor.
Não ligo que o tempo tenha sido semimísero, se o tempo que demorou pra te querer foi te olhar, se o tempo de um orgasmo é um espasmo, se o tempo da c o n f i a n ç a é virar um shot.
Gostei rápido e logo, e vou lembrar da luz do quarto, e do cheiro de fumaça-com-sexo e da toalha vermelha.



(enquanto houver desejo de G u a í b a , haverá saudade - de você também)

9.3.10

"O problema da Luara é que ela não tem problema."

Um cara que era amigo, amigo mesmo (e agora me ignora no ponto de ônibus, que engraçado) me disse isso uma vez. Nem deu pra atribuir à cachaça, porque estávamos a caminho do bar. Aquela frase ficava ecoando.
Não tem problema, peraí. Começa que eu nem gosto que me chamem de Luara! E nessa época eu ainda estava no armário, em muitos deles, o cabelo era um problema, a sexualidade era um problema, o peso era um problema, a minha mãe, a minha família, o quase-pai, a militância... A minha vida era um lugar chato, bem chato.
Naquela época, eu não tinha problemas. Só bulimia, anti-depressivos, lítio (um abraço na galera bipolar), e um ano, sim, eu disse um ano sem sequer beijar alguém. Quem dirá sexo, pff. Eram tempos cascudos, mas você não conhece pessoas e diz: oi, sou bulímica e tá na hora da minha tarjinha preta, bjs. E o medo dos meus problemas feiosos e idiotas serem descobertos, me fazia ser assim aos olhos dos outros. Sem problemas.
Agora, tanto tempo depois, não tenho mais aqueles problemas, e parece que venho me livrando daqueles que adquiri ao longo dos anos, uns quatro ou cinco anos. Tirando os óculos (falando nisso, cadê eles?) e a mais plena falta de perspectiva de me formar em menos de anos, não tenho nenhum problema, obrigada. É verdade que eu queria amar esse ano, mas vou bem sem o Amor, seja como for. Meu cabelo tá ótimo, minha maquiagem é boa, e a cabeça está bem, no lugar. Não tomo mais porres, não abuso dos psicotrópicos e o cigarro não me incomoda, ainda (queria aproveitar e dar um beijo no coração do Serra e do Kassab, vocês são fofos).
Não queria ser gorda, é verdade, mas só faço dieta se der vontade. Senão, a vida tá aí e eu não vou perder meus dias tentando diminuir números; até porque um créme brûlèe é mais aprazível que ser chamada de gostosa no metrô, pelo menos eu acho.
A crise existencial vai bem, obrigada, ela nunca parte de verdade, mas daí a dizer que a culpa é minha já é demais. A culpa é do mundo e do Sartre, ninguém me consultou sobre nada, estou limpa nessa.

A bem da verdade é que me assusta. Estou na porta dos 21 e tranquila. Tenho chorado pouco e não pretendo fugir para cidade alguma (mais um salve pra Luiza!). O caso é que o tempo passa e até a crise perde a graça: está tudo bem sem ter amigos, está tudo bem sem me dividir em montes de pessoas que me entendam. Não tem o que entender. Estou beleza na represa. O cara que eu queria namorar? Depois de tantos anos, ele ainda não entendeu? Pois é, que chato, eu vou ter que esperar, mas isso não é motivo pra nada, no máximo pra mais um café, acompanhado de cigarro.
Sem contar que desemprego é uma dessas felicidades sutis que o mundo modernos nos priva, verdade seja dita! Que delícia. Não fazer nada, descansar depois. Ler o texto da aula, o blog do vizinho, um bom livro. Acordar, tomar café e voltar pra cama. (Se eu acreditasse em deus, fato que ele ia vender brinco de arame na praia e viver muito numa nice.)


O meu problema é que eu não tenho problema. Todo o resto, é consequência.





(quem leu tudo, quem já me viu em crise ou acha que o meu problema é outro e vai me dizer qual é, escreve pra mim, que eu te pago uma cerveja e tudo fica bem, ok? lua.museologica@gmail.com)

2.3.10

E é de se pensar.

"É muito mais fácil empurrar com a barriga e deixar o abacaxi para os netos, mas enquanto o mundo continua parolando, o termômetro e a água vão subindo."




(manu chao, um puta calor, alice dormindo no teclado e a lulu deixando a água subir)