22.11.12

Retratinho #1

Era boneca de pano. Não por ser de macela e ter olhos de botão, mas por não saber ser outra coisa. Não era como os blocos de montar, que podiam ser tudo. Era uma coisa só. Não tinha bolhas de sabão, nem sininhos. Tinha pele surrada de tecido qualquer. Tinha um vestidinho já desbotado, de tanto ver água-varal-sol. Não tinha mais o cheiro do seu recheio, era fadada a ter caruncho ou mofo, rasgar. 
Era boneca de pano, e não ficava na ponta do pé. Não voava por cima do muro, não conhecia o mundo. Não por falta de sonhar, mas por falta de quereres. Quando se é boneca, o sorriso na cara é todo-dia, mas vai-se secando tudo por dentro, murchando, e sorrindo. A boca pintada e os olhinhos tortos de botão.
Era boneca de pano. Num mundo em que tudo tem motor-corda-botão. Era aquilo ali, só. Não brilhava, não zunia, não sabia as horas. Num mundo em que tudo é de plástico, de metal, virtual. Tinha as costuras pra fora, um bracinho mais grosso que o outro. Não tinha articulações, nem cintura, nem peito. 
Era boneca de pano e se sonhava passarinho, barco, balão, nuvem. Passava os dias no fundo do cesto de vime, esperando a infância, ou o que viesse depois.

Um comentário:

Ana Araújo disse...

tão linda!!!