A música, parecia música ambiente.
Um restaurante. Exótico. São muitas as cores, os detalhes são neutros. As cores, na verdade, se escondem atrás de um suspiro branco-e-prêto. O homem bebe, vinho. Olhos perdidos, na porta que não abre nunca. Não vemos seu rosto, seu cabelo apenas.
Rio. Brinco de ser o que não é. Releio. Eu, quero sair dessa cidade. Quero morar onde tem areia, mar. Parece bossa nova, é isso.
Abre a porta. Ela, sequer levanta os olhos. Reluta com o guarda chuva. Espana os respigos do casaco, com a mão do cigarro. Se pontilha de cinzas do tabaco. Bufa. Na sua bôca, tudo é dôce. Com graça, joga os cabelos para trás. Ao vê-lo, baixa os olhos. Esperava entrar deslumbrante, não uma menina perdida.
Na frente do espelho, de um jeito que nunca me pintei, me cubro de mulher. Os olhos, a boca, os cílios. Visto meu côrpo, inteiro, de meu côrpo. Amarro sobre os cachos que pintei o lenço prêto. As pontas tocam meus ombros. Esboço sorrisos. Ensaio olhares. Duas vezes, eu e Helena. Acendo o cigarro e, nua, vou pra janela.
Amassa o cigarro, uma fúria de fim-de-noite. Tira o casaco, sorri vagamente, para além do homem. A frase é amarela, 'Chuva me pegou'. Ele diz qualquer coisa sobre a beleza dela. Ela, suspira. (ele finge crer que ela sequer ouviu). Tira as luvas. Lança o mais lânguido dos olhares. Ele, no mesmo instante, sabe que seu esmalte carmin muito mais lhe importa do que a presença galanteadora do outro lado da mesa. Ele, é nada, perto dela. Cruzam os olhares. Ele, é nada, perto dela.
Poses. Angulo o pescoço. Meço os dedos, olhares longos, para o nada. Da minha beleza, só eu sei. Não ligo para as janelas, desfilo os seios nus, no parapeito. Aquelas, eu ignoro. Busco o telefone.
Bebe o vinho, e é linda. Tudo que faz é belo. Os movimentos que se desenham no ar, ao redor dos pulsos. As pausas. O modo como mexe o pescoço. Seus lábios grossos, os cabelos cheios e claros, a seda prêta que faz arco, no seu rosto. Brigitte é a sensualidade encarnada em cachos e melancolia.
Me arrasto. Arranco os brincos, o lenço, tenho vergonha de mim. Esfrego o rosto, a tinta escorre prêta dos olhos, me enfeia. É uma genuína feiúra. O oposto dEla. Eu sou a antiEla. Os olhos inchados, o nariz vermelho. Quando ela chora, tenho ganas de beijar-lhe a bôca. Quando eu choro, é de pena. Dó. O sinal de ocupado é tudo que ouço.
A rua tem névoa, e água. Debaixo do guarda-chuva, um passo incerto, a fumaça que exala. Vejo a tela, de dentro dos olhos dele. Brigitte anda, o impacto do passo movimenta o cabelo com graça. O impacto dela me mareja.
A música acabou.
27.10.08
25.10.08
lona rasgada, no alto.
Com grande pesar vim informar a morte do Palhaço. O bom-Palhaço padeceu, foi noite passada ou há mil dias? já não me lembro, eu já nem sei.
Padeceu, o Palhaço, porque era Cidade demais e riso de menos, desdor, despranto, desacalanto. Ninguém matava, ninguém morria! era só uma apatia. Um andar espectral de silêncio-solidão. Sem gargalhar de criança, sem cheiro de pipoca, sem lona furando o céu-de-estrêlas.
Vieram então, mais de mil palhaços, todos pro salão. De luto fechado, em seus panos rasgados (as Columbinas era rosa-e-carmin, era de mil-côres Harlequim). Vi um Pierrot chorar em soluços. Era o fim do carnaval. E a marchinha inundava o ar.
Eu pintei meu nariz, eu quis chorar. Se não tem palhaço tem o que, nessa vida.? Mas bem no meio da folia, pulou o Palhaço do caixão! eu juro porque vi. Era confete e serpentina. O seu sorriso pintado, o olhar caído. Piscou-me os olhos.
(vi por detrás uma menina, tinha olhos de contas e cabelo de mar. Puxou a manga do Palhaço e inundou de melancolia-poesia o não-ser.)
Padeceu, o Palhaço, porque era Cidade demais e riso de menos, desdor, despranto, desacalanto. Ninguém matava, ninguém morria! era só uma apatia. Um andar espectral de silêncio-solidão. Sem gargalhar de criança, sem cheiro de pipoca, sem lona furando o céu-de-estrêlas.
Vieram então, mais de mil palhaços, todos pro salão. De luto fechado, em seus panos rasgados (as Columbinas era rosa-e-carmin, era de mil-côres Harlequim). Vi um Pierrot chorar em soluços. Era o fim do carnaval. E a marchinha inundava o ar.
Eu pintei meu nariz, eu quis chorar. Se não tem palhaço tem o que, nessa vida.? Mas bem no meio da folia, pulou o Palhaço do caixão! eu juro porque vi. Era confete e serpentina. O seu sorriso pintado, o olhar caído. Piscou-me os olhos.
(vi por detrás uma menina, tinha olhos de contas e cabelo de mar. Puxou a manga do Palhaço e inundou de melancolia-poesia o não-ser.)
22.10.08
do circo, sem futuro.
há um medo surdo
como um baque.
como um soco, na cara.
i m p i e d o s o .
há o férreo gosto, na boca.
penso nos meus medos, quase infantis.
quando chove,
quando escurece,
quando penso em "ela",
quando tenho medo de não ver,
quando tenho medo de desistir,
quando quero virar um novelinho, em mim,
eu melancia chorosa e só num canto de um sofá cheio.
e então.
sinto o aconchego que dá brincar de gato, sob o sol
os pequenos prazeres,
a massinha,
o giz,
aquele tanto de olhares, da parede pra mim.
me sinto só.
e carrego as culpas todas.
como um baque.
como um soco, na cara.
i m p i e d o s o .
há o férreo gosto, na boca.
penso nos meus medos, quase infantis.
quando chove,
quando escurece,
quando penso em "ela",
quando tenho medo de não ver,
quando tenho medo de desistir,
quando quero virar um novelinho, em mim,
eu melancia chorosa e só num canto de um sofá cheio.
e então.
sinto o aconchego que dá brincar de gato, sob o sol
os pequenos prazeres,
a massinha,
o giz,
aquele tanto de olhares, da parede pra mim.
me sinto só.
e carrego as culpas todas.
17.10.08
Através do espelho - capítulos 13, 7, 42 e ∞
"(...)Luarenta, numa suave tarde de sol, comia jujubas. E então quis uma canção. Juan, brevemente, disse: coge el cabaquito, Jude. E tendo Jude provido-o de seu inseparável ukulele, tocou.
Meesha, indiana e terrorista, matadora cruel e sangüinolenta de mosquitos com biribinhas, bailou com Rringo, Jorge e Pablo. Todos inebriados pelo cheiro de torta de estrelas, que assava, em baixo do guarda chuva transparente, desenhado no castelo, pintado na parede.
E então um palhaço triste chegou, trazendo numa bola de neve - macuecos me mordan! - o inverno todinho. Voaram papeizinhos, dourados, e choveram coloridas bolas do céu.
Los Besoros correram, como porcos de uma arma. Voaram feito a Lucy.
Fugiram! Michetinha e Looa, montadas num grande cachorro prêto, que cheirava como meias suadas depois de um jogo com gols e bolas e mãos. Memérias capóticas se esqueceram dos campos de morango, para Eva. Se esconderam num colégio soturno e rezaram - espero que acreditemos!, pensaram. E então novenovenovenove vezes repetiram, para não esquecer.
Nesse minuto, Micha se lembrou dos lápis de cor que trazia. Usou, mais Lua, estilete para fazer a ponta, antes que houvesse tinta vermelha demais no chão, que atrapalhasse a passagem suculenta e sem sementes de Tangerina.
Borderline, a amiga querida, veio só para brincar.(...)"
para Mabel.
(é. acabaram as minhas palavras. enquanto elas não vêem, eu vou roubando minhas palavras de antes.)
Meesha, indiana e terrorista, matadora cruel e sangüinolenta de mosquitos com biribinhas, bailou com Rringo, Jorge e Pablo. Todos inebriados pelo cheiro de torta de estrelas, que assava, em baixo do guarda chuva transparente, desenhado no castelo, pintado na parede.
E então um palhaço triste chegou, trazendo numa bola de neve - macuecos me mordan! - o inverno todinho. Voaram papeizinhos, dourados, e choveram coloridas bolas do céu.
Los Besoros correram, como porcos de uma arma. Voaram feito a Lucy.
Fugiram! Michetinha e Looa, montadas num grande cachorro prêto, que cheirava como meias suadas depois de um jogo com gols e bolas e mãos. Memérias capóticas se esqueceram dos campos de morango, para Eva. Se esconderam num colégio soturno e rezaram - espero que acreditemos!, pensaram. E então novenovenovenove vezes repetiram, para não esquecer.
Nesse minuto, Micha se lembrou dos lápis de cor que trazia. Usou, mais Lua, estilete para fazer a ponta, antes que houvesse tinta vermelha demais no chão, que atrapalhasse a passagem suculenta e sem sementes de Tangerina.
Borderline, a amiga querida, veio só para brincar.(...)"
para Mabel.
(é. acabaram as minhas palavras. enquanto elas não vêem, eu vou roubando minhas palavras de antes.)
2.10.08
calculou. mediu distâncias, apreendeu cheiros. ensaiou, mentalmente, cada movimento. olhou, não soube apreender a resposta. a pergunta era dispensável, forjou a resposta.
ignorou gestos.
um pé na frente do outro, decididos, os pés. os dedos, trêmulos, e firmes. fechados os olhos: no escuro não há pecado, não há segredo, não há mistério.
sêde.
do ímpeto do silêncio, rompeu o dessilêncio da respiração. seus mistérios encarcerados, à flor da pele. dobrou-se um milissegundo na eternidade de um arrepio. rolaram hipóteses pelo chão, encheram o ar, entorpeceram os sentidos.
um braço antes do outro, os olhos abertos-e-fechados, pra ver o que se vê, o que se quer ver.
ignorou gestos.
um pé na frente do outro, decididos, os pés. os dedos, trêmulos, e firmes. fechados os olhos: no escuro não há pecado, não há segredo, não há mistério.
sêde.
do ímpeto do silêncio, rompeu o dessilêncio da respiração. seus mistérios encarcerados, à flor da pele. dobrou-se um milissegundo na eternidade de um arrepio. rolaram hipóteses pelo chão, encheram o ar, entorpeceram os sentidos.
um braço antes do outro, os olhos abertos-e-fechados, pra ver o que se vê, o que se quer ver.
16.9.08
o Casamento
Era um amor bonito, de uns bons anos. Marcaram o grande dia. O casamento.
Ela escolheu o mais lindo vestido; e foi com linha e agulha que bordou os sonhos todos no corpete.
Ele, era o fraque mais clássico que enchia seus olhos. O mais preto. Viu naquelas costuras firmes a mais profunda galanteza.
A diadema brilhava, feito estrelas.! Era tudo quanto havia de se realizar no caminho. Era princesa.
Artista, de cinema. Dos anos 30. Mocinho.! Tudo culpa das luvas brancas.
Com amor, ela escolheu a gravata mais sóbria. Com a honra do avô, lustrou os sapatos cor-de-noite.
Branco o sapato, de salto. Branco o véu. Era como olhar o manto da Virgem.
Eles esqueceram seus pecados.
Era o mais perfeito rosto, maquilado. Era o anjo branco, que lhe caía nos braços, para todo o sempre.!
Uma lágrima caiu. A beleza dos olhos virginais mais pareceiam os olhos de viúva. Jogou para trás o buquê, nunca mais lhe caíram flores nas mãos.
Ele se embebedou, noite após noite, no cheiro do álcool, no gôzo das outras. O mocinho cheirava mal.
A princesa sumiu, aos poucos. Debruçada nas panelas sujas, atrás das pilhas de roupas, embaixo do nome Amélia.
O galante virou marmanjo no sofá, cerveja na mão - que não cabia mais carinho - , o futebol no olho - que não entrava mais donzela.
Enfiou, junto com o corpete, os sonhos num saco, que jogou no maleiro do guarda-roupa. Comida pras traças, roído pelo esquecimento.
Só se veste de branco uma vez na vida.
Só se veste de branco uma vez na vida.
9.9.08
foi quando, de súbito, acordei. ou foi o exato instante em que tomei consciência de mim. sei que eu era de um cansaço extremo. os meus sentidos fervilhavam. o olho não abrira, ainda. e tudo era vermêlho. prêto no vermêlho. o ar entrava sêco, violento. rasgava-me a narina, a garganta. afogava o pulmão. sofri. a boca era viscosa, e sêca. uma sêde tamanha, desesperadora. ousei abrir a bôca, correr a língua pelos lábios. eram de uma dureza de terra, inóspitos, incautos.
tentei me mover. a dureza do chão era muita. e o calor. minha pele era brasa, ardia. o sol me fazia sensível, a tudo. o calôr da pele eu tentava por tudo amainar. mas pele sobre pele, era o fôgo, só.a solução da vida, era água. o mistério líquido.
espiei. uma fenda na pálpebra. numa fresta, o céu de um azul atormentador invadiu-me inteira, eu engoli pelos olhos o sol e o mundo tôdo. fechei depressa os olhos: foi lento demais. fecundada pelo céu, estava grávida do mundo.
pisquei muito, e longamente.
quando o olho abriu, era uma guerra de dois lados, um valsado de dois antigos desconhecidos. era gritar de um profundo azul, sem nuvens. e o caminhar resignado de um marrom poeirento.
e como se fosse perder os sentidos, a sêde, o calor, o ardor, passou tudo. nada incomodava. eu tinha uma fome profunda do horizonte. e horizonte não havia. enquanto correr eu pude, eu corri. o chão comia meus pés, me queimava. desesperei-me. quis ver, e não podia. era de pó e incerteza meu futuro.
quis chorar, mas eu nada tinha pra verter. eu olhei ao redor de mim, o sol iluminava tudo. secava tudo. o sol escorria de beleza, e feio era, triste.
o susto era tanto que o grito entalou e nunca que escapava. eu olhava bem pro meio de mim. eu via o mistério tôdo. o mistério de mim, o mistério do mundo. todo o mistério se desdobrava na minha frente. sem uma sombra, eu vi o horror da minha existência. eu queimava meus monstros e os gritos eram de horror, deles, e saíam da minha minha boca.
rasgou-se no meu rosto um riso, nefasto. expurguei meus pecados, e eu, mãe do mundo, perdoei tudo. o mundo, no meu ventre, existia porque existia eu.
eu, mundo. eu, deus: verteu água da palma da minha mão.
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