29.6.10

Os olhos.

Tremiam, os olhos, muito lívidos. Sem os óculos, todas as cores arrombavam a retina e galopavam cabeça adentro.
Só os olhos não me traíam: as pernas tremiam, os braços pesavam, a garganta gemia sem que eu quisesse, os ouvidos queriam seguir as vozes - e o ar era muito quente, e muito frio. A razão deixara de ser há muito, e o sangue fervia em ondas, encapelava.
E do meio do turbilhão, alguém me deu a mão. E me disse, quando o mundo inteiro era silêncio e náusea:
- Tudo bem você chorar, porque seus olhos ficam verdes.

E com seu aval doce, pela sua mão de longe, as águas fluíram, muito e sem pressa, pra que o mundo voltasse a ter ordem, no caos.

Para a Lu, que me ama mesmo quando eu sou meu pior.

28.6.10

A montanha mágica.

O vento rasga a janela, o quarto se enche de frio. Como se não me importasse, os braços, as pernas nus. Arrepio é bom, mesmo quando é assim.
O gosto antigo, o som antigo, as pessoas de antes. E tudo tão novo, tão renovador. Sentir-me viva nem sempre me dói.

(E não importe o que o tempo ou as pílulas possam mudar, o passado sempre será o melhor dos tempos. E gosto assim.)

24.6.10

Agora nada mais importa.

- Faz silêncio.
A cidade parecia dormitar, nenhum carro, nenhum pássaro, nada. Parecia inteira em silêncio. Ouvia a minha respiração e sua, e as nuvens quentes que se faziam entre nós.
Você olhava pra cima, como se esperasse algo. As folhas sacudiram de leve, e o barulho era sutil, arrancava sorrisos e olhares cúmplices.
Quando você decidiu andar, meus saltos ecoavam muito longe, nem parecia a vida, parecia um filme, e eu gostava de ser personagem, de ser seu par.
Debaixo da luz amarela, corremos para quebrar os silêncios, corremos pra minha cama e afogamos juntos nossas solidões.

Hoje a cidade parece estar de novo a cochilar, muito quieta, como se esperasse comigo a hora de você chegar.

23.6.10

Enquanto espero o dia lá fora,

aqui dentro não cabe tristeza, nem angústia. E nem venha me dizer que isso é estado de espírito, que é estado de cidade, mesmo, cidadezinha danada de linda, de doer. Tanto, que nem os quatro cariocas me conseguem fazer ser de lágrima.
Ouvir 'horizonte distante' sempre me fez sorrir. Isso sempre me lembrará o dia, que ainda não foi superado em doçura e tatuagem. Eu só desabava uma porção de mágoas e delírios, não que isso seja qualuqer novidade quando se pensa em mim; quando disse: penso em horizonte distante. E seus olhos castanhos e tão terrivelmente castanhos, me perguntaram: como na música?, e eu nem sabia que música era. Fez-se ali, talvez naquele malfadado segundo, um laço que se eu soubesse tão eterno, eu nem teria atado.
Não me prende ao passado - e cada dia que passa, eu me lembro ainda menos dos detalhes e mais das conjecturas, que foram poucas, quase nada - e sim me ata a qualquer coisa de possibilidade, de infinitude, que eu jamais vou me soltar. Acho que não por nada, Alisson, mas por eu ter eleito como a melhor história de amor que eu vivi, ou poderia ter vivido.

Asfalto; porão da miséria.

Já meio morto, mas não o bastante, queria saber quem tinha sido o otário que disse. Não viu a vida num flash em preto e branco. Não lembrou dos momentos de glória, nem sentiu de novo todos aqueles gozos. Só ouvia, como num filme, os carros furiosos e suas sombras, via como se tivesse óculos de lentes vermelhas. Vermelhas e pastosas. E ria, sabendo que sangue na tela parece mais real que sangue de gente.
Quem via seu corpo quase humano ali, santo de cera cadavérico, contra o asfalto, ficava marcado na alma com a cena, mas corria o olhar para não atingir um ponto sem concerto do seu dentro. Essas vistas se perdiam entre os olhos cheios de fumaça da cidade, incapazes de enxergar a vida e a morte das coisas que os cercam. Ele confrontava esses olhos cinzentos que quase o viam, com seu olhar muito cristalino, translúcido.
De costas, abraçava o cimento com as palmas das mãos, suas unhas já em carne viva, pareciam querer levá-lo para dentro da terra. Queria enterrar-se ali mesmo, para fugir das cerimônias dos homens. Era sua última chance de escapar daquilo que tanto abominava e sua resistência se acabava na medida que sua respiração ia diminuindo e suas digitais desaparecendo. Mas sua eterna fuga, até a hora de sua morte amém, criava um mundo inteiro de rituais que percorriam seu nome, seu riso, sua fala, sua dor. Até seus cheiros eram marcados por uma civilidade sem fim. O afã de ser um não-ser, de descolar-se dos seus, era o peso que carregava. Mas não conseguia essa unicidade, era excepcional como todas as outras pessoas e só. Mas quem tinha sido o otário que disse? A pergunta correu mais uma vez e deu algumas voltas em sua cabeça. Ele mesmo respondia com mais uma pergunta: disse o quê?
Tentava divisar-se entre o delírio moribundo ou um sonho (e então acordaria assustado e suado em sua cama limpa, com os lençóis mais brancos do varal da pensão - isso era um de seus orgulhos diários). Mas era sua morte, o cheiro ferroso do sangue denunciava, nada podia ser mais real. Foi tomado por um censo de decisão: jogou fora toda sua autopiedade, não queria que ninguém chorasse pelos seus plano de vôo. Não queria que no amanhã fosse lembrado pelas memórias mambembes de tentar não ser um humano. Resolveu assumir-se de carne e osso. Mas quem tinha sido o otário que disse? Disse o quê? Que nesse mundo não se pode amar (Lembrou-se!).
Um beijo, pediu. Mas não havia ninguém. Não que ele visse. Um beijo, disse. Sentiu sua cabeça ser erguida. Estava apoiado em algo macio. Viu algo contra luz do sol. Era o Homem. Sentia o calor de sua perna, jurava que podia sentir. Me dê um beijo, repetiu sem saber se as palavras realmente saíam de sua boca. Sentiu algo macio e quente em seus lábios. O êxtase. No estante seguinte estava sozinho mais uma vez.
Ainda meio vivo, o suficiente, viu que era a hora de esperar a morte certa, preta e branca. Por dentro havia trocado de roupa, frequentado festas, mergulhado dez vezes no mesmo rio e ainda em outros. Seus lábios emanavam sentimentos e sorviam trejeitos do Amor, o Homem amava, transcendia aquele beijo, um salto cego agarrado a teias invisíveis. Como se fosse a única possibilidade.

Inspiração, transpiração e encontros com Fêli.

16.6.10

Flutuar.

Não é fácil aceitar a situação. Não é fácil encarar a situação. Não é simples envolver pessoas. É horrível estar só.
Não quero amar a janela, não posso ficar longe. Tem um ímã mágico que junta o meio de mim com o abismo, eu quero ser o abismo.
Eu quero gritar, eu quero um porre, eu preciso ser abraçada. Espero o dia em que todas as lágrimas virem mesmo um mar.
"Penso o quanto eu gostaria que tivesse o mar e não o asfalto lá embaixo.
Que daí teria Lua do céu, Lua do mar e Lua Ismália.
Tudo junto."
Alguém, qualquer um, me dê a mão.

14.6.10

Mergulho.

No mar da consciência é sempre noite. É tudo muito lento, muito quieto, nenhuma onda quebra. É um navegar às cegas, sem bússola. Nunca se vêem estrelas, não há guias que não o de-improviso.
Dobrei um barquinho de papel que me levasse pelas águas escuras, dobrei um barquinho de papel que me salvasse do medo. Não tem praias, não há naufrágios. O castigo maior é navegar sempre, navegar é preciso.
No afã do próximo passo, me jogo de cabeça, todos os sentidos embotados de memórias, de todos os tipos, de todas as ordens. Nado em círculos, a maré me leva, as grandes vagas em mim, que vago em águas calmas, ameaçadoras.
E desejo qualquer ilha de esquecimento.

13.6.10

Vôo.

E do maior mistério do mundo, o mais simples, o mais cego, o mais inolhável, porque o que é imenso não se vê. Os olhos derramavam um mar, os olhos se perdiam no mar.
E era tanta água, tanto sal.
O plano de vôo era toda rota que os ventos lançassem, e se permitir o ar era como despencar de mil torres, de encontro à luz branca e redonda da superfície, molhar as asas, respirar. Não havia norte, não existia a volta, no epicentro do mundo, negromar, os ares ansiosos e renovadores.
O caminho era longo, ainda que doce. Tanta doçura respingava o salgado, era o meio de si que lhe permitia, lhe impedia. Aromas de baunilha.
Como que salvo, pisou os dois pés nus o chão. Abriu os olhos e.

3.6.10

Tem tanta gente perdendo a virgindade e eu achando a minha.

engolindo pílulas.
dançando no escuro.
dançando comigo mesma.
pintando o sete.
píncaros da consciência.
problemas com articulação de frases.